Quando entrei na faculdade de
direito em 2010 tudo o que eu queria era ser promotor de justiça, queria ser
desses que precisam ter carro blindado para não morrer, era só o que eu queria -
fazer alguma coisa. O curso de direito era o curso por excelência pra quem desejava
fazer algo palpável para melhorar a vida de outras pessoas.
Eu não sei quando isso aconteceu,
mas em algum momento essa ânsia foi se perdendo em mim, até hoje grana não é
minha preocupação principal, nunca foi meu desejo morar em condomínio fechado,
me hospedar em hotel cinco estrelas, na verdade torço um pouco o nariz para
essas coisas, acho isso tudo vazio demais, gosto de cores, de gente sincera, de
lugares inesperados, mas desde que fui
me tornando adulto em um processo cada dia mais doloroso de me decepcionar com
as instituições e com as pessoas, adquirindo aos poucos um certo ceticismo e um
humor sarcástico em relação às lutas,
desde que isso aconteceu, não sou mais a mesma pessoa, nos meus piores dias eu
fico pensando em qual é meu objetivo de vida, me sinto mesquinho, egoísta,
cruel.
Às vezes tudo que eu quero é
poder acreditar de novo, ter paciência com as militâncias de facebook,
acreditar que existe o lado bom e o lado ruim, queria acreditar que as pessoas
não são tão fracas, que não se vendem por tão pouco, que não se sentem tão
fragilizadas com a verdade. Mas toda vez que dou um passo, que deixo a navalha
sem amolar, sinto a dor de saber que deveria ter sido racional.
Alguém precisa fazer algo, alguém
sempre precisa fazer algo, infelizmente esse alguém não sou eu, todos, temos um
ponto fraco, uma vaidade, uma ganancia, a minha é não conseguir me associar ao
que não acredito, fazer vista grossa, fingir que está tudo bem, conversar com
as pessoas em termos estratégicos, minha arrogância e empáfia não vão discutir o óbvio, não vão
seguir a trilha de respostas fáceis encontrando bodes expiatórios em cada
esquina, muito menos vão consolar orgulhos feridos.
Isso não é só sobre ganhar ou
perder, é sobre o tipo de ser humano que nos tornamos em um processo, dizem que
a guerra faz o soldado, bem, não sei se pretendo me alistar. Teoricamente as
coisas são simples, bastava alguém dizer que nada faz sentido, que qualquer
gasto do governo é maior do que o maior programa de assistência federal que
mais salva pessoas nesse país – bolsa família – mas parece que isso não é tão
óbvio, que no fundo a questão não é sobre essas pessoas, no fundo ninguém está
se importando tanto com o prato de feijão de uma família no vale do Jequitinhonha,
isso seria demasiado simples de resolver, as questões são outras, tão complicadas,
tão complexas, tão egoísticas, envolvendo desde o poder em ser o líder de um
pequeno movimento ao poder de ser o líder de um país, é tudo sobre poder, e só.
Ai de quem diz que não quer poder
na vida, isso é como blasfemar para a inquisição, chegamos a um ponto em que
isso é mais do que um consenso, é algo constituinte das relações. E desde então
vale tudo, e como se trata de um enorme jogo, as regras formais são as que
valem, não importa quem você é, o que você faz o que você fez, sua ética, desde
que formalmente você pareça ser, pareça estar, pareça ter, tudo está certo.
Desde que percebi esse jogo, essa
lógica, e que mais uma vez seria devorado, mastigado e cuspido, eu só tenho
querido um pouco de liberdade, as vezes o sarcasmo, a ironia e o ceticismo me
denunciam, mas é tudo que não quero, ser descoberto. Mas vendo o jogo e sendo
empurrado pra ele aprendemos a bater, embora seja algo extremamente bucólico,
prosaico e sem imaginação para nossa sociedade, só quero um dia poder ter uma
vida estável para fazer as coisas simples que gosto de fazer, mas isso em si é
uma rebeldia, um absurdo, um assunte, então, longe de me colocar como vítima eu
aprendi a agarrar tudo com força, sem dó, sem piedade, o mau pede por
compaixão, e é assim que todos os fracos perdem.
Sem o mínimo de compaixão eu
descarto da minha vida todos aqueles que não são éticos, que tentam jogar
comigo, que não são maiores que seu recalque, que não tem coragem. Pra amar é
preciso coragem, é preciso se entregar, não ser mesquinho, não ser pequeno e
encarar os desafios, o covarde é a pura imagem do homem burguês. Enfim, pra ter
um pouco de paz e estancar a sangria de saber que não posso fazer quase nada
pra quem precisa é necessário muita radicalidade, pode ser que eu termine só,
mas nem por um segundo vou renunciar aos critérios violentos de seleção que
adotei para minha vida.