terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Quando entrei na faculdade de direito em 2010 tudo o que eu queria era ser promotor de justiça, queria ser desses que precisam ter carro blindado para não morrer, era só o que eu queria - fazer alguma coisa. O curso de direito era o curso por excelência pra quem desejava fazer algo palpável para melhorar a vida de outras pessoas.
Eu não sei quando isso aconteceu, mas em algum momento essa ânsia foi se perdendo em mim, até hoje grana não é minha preocupação principal, nunca foi meu desejo morar em condomínio fechado, me hospedar em hotel cinco estrelas, na verdade torço um pouco o nariz para essas coisas, acho isso tudo vazio demais, gosto de cores, de gente sincera, de lugares inesperados,  mas desde que fui me tornando adulto em um processo cada dia mais doloroso de me decepcionar com as instituições e com as pessoas, adquirindo aos poucos um certo ceticismo e um humor sarcástico  em relação às lutas, desde que isso aconteceu, não sou mais a mesma pessoa, nos meus piores dias eu fico pensando em qual é meu objetivo de vida, me sinto mesquinho, egoísta, cruel.
Às vezes tudo que eu quero é poder acreditar de novo, ter paciência com as militâncias de facebook, acreditar que existe o lado bom e o lado ruim, queria acreditar que as pessoas não são tão fracas, que não se vendem por tão pouco, que não se sentem tão fragilizadas com a verdade. Mas toda vez que dou um passo, que deixo a navalha sem amolar, sinto a dor de saber que deveria ter sido racional.
Alguém precisa fazer algo, alguém sempre precisa fazer algo, infelizmente esse alguém não sou eu, todos, temos um ponto fraco, uma vaidade, uma ganancia, a minha é não conseguir me associar ao que não acredito, fazer vista grossa, fingir que está tudo bem, conversar com as pessoas em termos estratégicos, minha arrogância e  empáfia não vão discutir o óbvio, não vão seguir a trilha de respostas fáceis encontrando bodes expiatórios em cada esquina, muito menos vão consolar orgulhos feridos.
Isso não é só sobre ganhar ou perder, é sobre o tipo de ser humano que nos tornamos em um processo, dizem que a guerra faz o soldado, bem, não sei se pretendo me alistar. Teoricamente as coisas são simples, bastava alguém dizer que nada faz sentido, que qualquer gasto do governo é maior do que o maior programa de assistência federal que mais salva pessoas nesse país – bolsa família – mas parece que isso não é tão óbvio, que no fundo a questão não é sobre essas pessoas, no fundo ninguém está se importando tanto com o prato de feijão de uma família no vale do Jequitinhonha, isso seria demasiado simples de resolver, as questões são outras, tão complicadas, tão complexas, tão egoísticas, envolvendo desde o poder em ser o líder de um pequeno movimento ao poder de ser o líder de um país, é tudo sobre poder, e só.
Ai de quem diz que não quer poder na vida, isso é como blasfemar para a inquisição, chegamos a um ponto em que isso é mais do que um consenso, é algo constituinte das relações. E desde então vale tudo, e como se trata de um enorme jogo, as regras formais são as que valem, não importa quem você é, o que você faz o que você fez, sua ética, desde que formalmente você pareça ser, pareça estar, pareça ter, tudo está certo.
Desde que percebi esse jogo, essa lógica, e que mais uma vez seria devorado, mastigado e cuspido, eu só tenho querido um pouco de liberdade, as vezes o sarcasmo, a ironia e o ceticismo me denunciam, mas é tudo que não quero, ser descoberto. Mas vendo o jogo e sendo empurrado pra ele aprendemos a bater, embora seja algo extremamente bucólico, prosaico e sem imaginação para nossa sociedade, só quero um dia poder ter uma vida estável para fazer as coisas simples que gosto de fazer, mas isso em si é uma rebeldia, um absurdo, um assunte, então, longe de me colocar como vítima eu aprendi a agarrar tudo com força, sem dó, sem piedade, o mau pede por compaixão, e é assim que todos os fracos perdem.

Sem o mínimo de compaixão eu descarto da minha vida todos aqueles que não são éticos, que tentam jogar comigo, que não são maiores que seu recalque, que não tem coragem. Pra amar é preciso coragem, é preciso se entregar, não ser mesquinho, não ser pequeno e encarar os desafios, o covarde é a pura imagem do homem burguês. Enfim, pra ter um pouco de paz e estancar a sangria de saber que não posso fazer quase nada pra quem precisa é necessário muita radicalidade, pode ser que eu termine só, mas nem por um segundo vou renunciar aos critérios violentos de seleção que adotei para minha vida.