domingo, 6 de dezembro de 2009

Mais um dia

Andei mais um dia por ai, como se passos fossem dar respostas. Vi muita gente, reparei em cada parede, em cada painel e calçada. Virei o pescoço e descobri o mundo.
Há se tivesse acordado antes daquele sonho individual, solitário e auto-suficiente acontecer. Há se tivesse percebido que somos completos e imperfeitos ao mesmo tempo, que nada se basta sozinho.
As fachadas na cidade, as pixações. Pequenas histórias, pequenas mensagens, um pouco de expressão, um pouco de poesia. A particularidade que abarca um todo, um todo construído de particularidades.
Na vitrine de uma loja havia uma lagartixa, uma dessas pequenas histórias, a historia do pequeno réptil. Os carros passavam, as pessoas passavam, e a lagartixa intacta na vitrine. Será que alguém á viu ? Se viu não matou, e assim ela vai vivendo na vidraça, anônima no centro da cidade.
Talvez sejamos também anônimos, alheios ao universo, talvez sejamos universos particulares e interdependentes. Escrevo diante da janela, na frente da rua, pessoas passam a todo o momento, carros, motos e bicicletas vem e vão. Talvez eu esteja na vidraça esperando algum inseto.
O mundo acontece nos murros, nos sorrisos, nas placas, no barulho do vento, como fragmentos de uma enciclopédia sem fim. As coisas se dependem para existir, a pessoalidade acontece em meio à universalidade.
Depois de tanto caminhar só pude perceber que estava tudo ali, bem na minha frente, uma conclusão óbvia! Conclusões óbvias são difíceis de entender, e até mesmo de acreditar. Como quando descobriram a lei da gravidade por causa de uma maçã.
Um outro ângulo irradia tudo agora, é como deixar de usar uma corrente nos pés, ou retirar os óculos escuros em um dia de muito sol, como na história daquele mito, ainda vivemos em cavernas.
Acontece primeiro o susto, os pés que já estavam acostumados com a dor da corrente demoram a se adaptar á liberdade, e a retina que quase não via luz se dilata no momento da retirada dos óculos, você se torna cego de uma vez ou talvez um louco que não queira ver o que ô cerca. Poucos enxergam depois de ver o sol forte, a coragem de vencer uma crença é escassa, difícil de alcançar, melhor para os homens enfrentar uma guerra sem sentido, levar um tiro e morrer por uma ilusão á retirar o véu que encobre os ideais forjados.
Os novos sentidos adquiridos aos poucos enquanto a pupila dilata, são difíceis de serem explicados, muito diferentes de uma explicação comum, é tão mais fácil viver em um mundo particular e continuar como sempre, com crenças comuns de não precisar de nada alem de si mesmo. O que há agora não é um egoísmo triunfante, é a vontade que compete para o bem de tudo, é uma lógica sensitiva, se é que isso existe. A luz não se compõe sozinha, ela acontece se conseguir se infiltrar em todos os cantos.
A importância das pequenas coisas, dos pequenos milagres, a coragem de acreditar em sonhos, a atenção com algo mais alem da ponta do nariz, é a engrenagem que faz continuar, que não se deixa alienar. Se antes era uma parte desconexa de um todo, agora entendo o processo, ou melhor, sinto o processo. É só fazendo parte do processo que se torna o todo, que se constrói algo, observando as janelas e as lagartixas.
São outras as realizações agora, não que aquelas antigas não aconteçam mais, a diferença está na importância de cada elemento, em saber o que buscamos e porque buscamos.
Mais do que querer ganhar, a atenção se volta agora para não perder, para não deixar passar os momentos e as pessoas, pois é tudo aquilo que já temos que faz falta, sentir falta do inalcançável é mergulhar em um caminho sem volta em que nada se basta, já sendo ultrapassado no momento da conquista.
Não digo para deixar de lutar, de correr atrás dos objetivos, dos sonhos... Afinal esse é o sentido único de viver - buscar os sonhos.
Tudo acontece como em uma sinfonia, um arranjo perfeito de música, quem resolveu fazer o show sozinho caminhou mais rápido que a velocidade necessária e chegou perturbado no fim da linha, com aplausos pouco entusiasmados de uma platéia que só queria fazer parte.

sábado, 4 de julho de 2009

Um estranho no ônibus

Se Deus é um estranho no ônibus, será que nos esbarramos hoje? Foram tantos rostos que passaram rápido pelos meus olhos, será que se Deus tivesse passado eu o teria visto? Andei rápido demais, corri até o ponto, queria chegar logo, esperei calado, sentado de longe na plataforma, mais um dia comum.

Alguém passou por mim, me observou de longe e eu não vi, eu observei outra pessoa algum tempo, ela também não viu, eu pude nunca ter estado ali, mas estive, será que alguém lembra? Quem me observou? Eu já não lembro de quem eu vi...Nós estávamos ali, mas quem lembra?

Passos repetidos, bem programados, passando pelas coisas e pessoas como obstáculos, cada um a seu tempo, pensando nas coisas que ainda teria de fazer, pensando nos minutos que perdi, pensando nas pessoas, outras pessoas, pessoas que eu conheço, não aquelas que me cercavam.

Peguei o Ônibus, olhei a janela, caminho repetido, mas eu sempre olho a janela, como se buscasse algo diferente, mas é a mesma coisa. Dentro do ônibus gente que nunca vi, com suas historias seus medos e seus segredos, mas meu caminho repetido me parecia mais interessante.

Desci no ponto de sempre, nunca fui além daquele ponto, e nunca pensei em ir também. Por onde o ônibus passava depois de ter me deixado perto de casa? Andava muito ainda? Pouco me importava, desci e fui caminhando pela estrada empoeirada.

O melhor de andar sozinho é pensar, a estrada é longa e assim se pensa por muito tempo, se chega a conclusões e depois as conclusões se transformam em dúvidas, e assim tudo vai ocorrendo como que em um ciclo até o fim do caminho.

Terminada a estrada, no portão de casa, entro, ligo o computador, escuto uma música, penso no dia, nas coisas que fiz, com que estive com quem não pude estar, o que fiz e o que deixei de fazer.

Não lembro do meu caminho, dos terminais, das estações, de quem estava nas estações, como se aquilo tudo fosse programado, como se nem estivesse ali, era só o caminho e nada mais.

Liguei a Tv, um homem foi encontrado morto no banheiro do terminal, não sabiam quem era, o que fazia, se era da cidade ou do interior, concluíram o óbvio : que ele estava sozinho e sem documentos.

Penso que quando passei pelo terminal ele já estivesse morto, ou estivesse passando mal, mas não ô vi! Ninguém viu! Como pode ser? Era uma multidão e ninguém viu.

Meus pensamentos continuaram fechados em mim mesmo, meu medo foi de ter acontecido comigo, o homem no banheiro poderia ter sido qualquer um, sangrou até morrer dentro de um banheiro de terminal, um roubo seguido de assassinato em um banheiro sujo..

Qualquer um pode obrigar alguém a entrar naqueles banheiros, o mundo acontece e os olhos estão fechados, enxergamos nós mesmos, nossos caminhos, nossas vidas e só! Se esbarrarmos em algo desviamos e continuamos o caminho, sem nem ter prestado atenção no que ficou para trás.

Se Deus é um estranho no ônibus, ele passou e eu nem percebi, não por desatenção, mas parece que o infinito particular é maior do qualquer multidão, nossos sentidos estão sempre a compreender nós mesmos, como ver algo além disso?

Coloquei-me acima de todas as coisas, só vi minha estrada, o mundo aconteceu, um homem morreu a poucos metros, não percebi e nem poderia, mas quantas e quantas vezes alguém precisou de ajuda e não foi visto?

É, se Deus é um estranho no ônibus ele tem caminhado bem sozinho..

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Olho por olho

Não me lembro de nada antes, não tinha muita noção de tempo nem de espaço, como se tudo tivesse começado ali, naquele momento com o pneu furado. Era um lugar como uma BR, rodovia grande de trânsito rápido. Lá mais na frente já longe da cidade avistei uma borracharia, feia e meio sombria, todas elas tem esse aspecto, mas essa parecia diferente, parei para fazer o remendo.

Muita gente na porta, muitas motos, do lado havia um bar como esses de setor, em que só há homens e com jeito de mal encarados. Parei e pedi para remendarem o pneu, o borracheiro disse que precisava de uma nova câmara de ar, fiquei com cara de quem duvidava, ele fez questão de mostrar o tamanho do rasgado e disse que não enganava ninguém!

Conferi a carteira, vi que não tinha dinheiro para uma câmara nova, justo naquele dia, estava longe demais para ir a um banco ou qualquer outro lugar. Oremendo apenas não serviria, estava com um problema.

Perguntei se podia deixar algum documento como garantia de que voltaria para pagar o conserto, o borracheiro olhou com um ar de dúvida para o seu ajudante e acabou concordando. De repente, alguém vinha da esquerda dizendo que pagava, era meu pai, não entendi o que fazia ali tão longe, naquele lugar estranho com gente estranha, mas sei lá, pai serve para essas coisas, para ajudar nos momentos de precisão.

Um tumulto começou no bar, o borracheiro mal tinha começado a colocar a roda, um rapaz tentava fugir, devia ter uns 22 anos, um topete, uma camiseta muito colorida com estampa de dragão, calça jeans cheia de detalhes e costuras.

Logo pegaram o fugitivo, haviam ameaçado dar lhe um tiro, então resolveu se render. Pediu desculpas enquanto era segurado por dois homens que levaram-nó para uma mesa e o sentaram.

O dono do bar trouxe uma toalha, o jovem então disparou a chorar de forma humilhante, enquanto isso o borracheiro trabalhava como se nada acontecesse, o dono disse algumas coisas ao rapaz com cara de quem dava um conselho, parecia não estar feliz com o que teria de fazer.

Trouxeram uma serra, jogaram a toalha encima da mesa, colocaram a mão do rapaz por cima. De um lado um firmava seu braço intacto na mesa, de outro lado puxavam seus dedos, e ele desesperado suplicava e tentava se soltar, suplicas em vão, mal podia se mexer.

Começou a carnificina! Foram serrando lhe o braço, cada ida e vinda me matava de agonia, e a moto demorando a ficar pronta. O jovem gritava, gritava muito, puseram uma camisa em sua boca para que se calasse. A serra ia e voltava. Eu não podia fazer nada, era horrível.

O pior de todos os testemunhos, a pior sensação de minha vida. Todos em volta achando normal, um cara se virou e disse: é.., esse não sai mais sem pagar!

Os dois serviços terminaram quase ao mesmo tempo, o pneu e a punição. Jogaram um pouco de açúcar no que sobrou do braço (para cicatrizar), enrolaram um pano em cima. O roubo havia custado um preço alto, caro demais, o jovem foi embora a pé com cara de desespero, andando devagar, apertando o punho contra o peito, como alguém que é punido e sabe a razão da punição.

Logo limparam a bagunça, o dono do estabelecimento ordenou que a filha jogasse fora a mão amputada, e limpasse tudo com água e sabão para não espantar os fregueses. Pegou então a mão desmembrada pelas falanges, e jogou em uma sacola plástica.

Eu estava em pânico, principalmente quando lembrava do serra-serra, acordei então derrepente com o telefone tocando e com as cenas do sonho na memória

sexta-feira, 1 de maio de 2009

As flores!

Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro, não sei o que foi, me lembro do espelho, sinto que vou indo embora debaixo do chuveiro, talvez seja um sonho bom, talvez um pesadelo. A água oscila entre quente e fria, quando quase durmo a ducha cai gelada, nunca transborda, a densidade do sangue  entope o ralo e desce de tempos em tempos.

Só o que me importa é parar esse frio, me agoniza por inteiro, mais do que os furos, mais do que tudo, só queria um lugar bem quente. 

Alguém entra desesperado, porque tanta pressa? Um vulto, essa rapidez incomoda meus olhos, eles já não estão tão espertos, tão atentos, isso me cansa mais ainda. Me puxa pra fora do Box, não vejo sua cara, de repente vai juntando mais e mais gente no banheiro, da onde vieram ? Pra onde estão me levando? Não reconheço a cara de ninguém, no lugar de enxergar as faces me vêm a mente aqueles olhos fixados que me puxaram pra dentro.

Não sinto o frio, me puseram roupas, me levaram pro quarto, é assombroso, esse mesmo quarto com que estou acostumado assumiu outra forma. Encima da cama não há calor, uma temperatura constante que não assume importância alguma . Nem por um segundo me preocupo com que iria fazer amanha ou depois, parece que sumiram as preocupações, que o tempo desapareceu! Fico feliz, nunca gostei de dormir em cômodos com relógio.

Em uma cadeira, não sei quem, me observa, e às vezes se perde nos pensamentos. Essa cadeira não é daqui, é da sala. As coisas não acontecem em seqüências lógicas, é como se dormisse e acordasse e  então um longo período tivesse passado ou voltado, é estranho.

O sangue tem gosto de lágrima, é o que sinto na boca, os cortes estão tampados, é o que vem de dentro que sangra, me lembra quando criança e ainda chorava. Homem não chora nem por ter nem por perder.

Fizeram o máximo que podiam, tentativas em vão de me fazer pulsar, aqui deitado como uma mumia vendo o teto, com a bariga para cima, nunca durmi assim, porque me colocaram dessa forma agora ?

A dor passou e nem senti, fechou os cortes e curou as lastimas o desejo de não sentir dor foi à dor em si, me sinto bem, como jamais tinha sentido.

Tudo vem à mente e fica branco, vai e vem, o que nem acreditava lembrar, o que nunca poderia esquecer. Se estava sozinho, se ela tinha dormido aqui, se fiquei muito tempo no banho, se me machuquei... Sei do que veio depois, do quarto, da choradeira. O resto é confuso.

Não poderia ter me feito mal, não sou desses... Ou sou ? Sempre agüentei tudo nem sei porque, não seria agora, não sairia pela tangente... Mais fácil acreditar no improvável, que ela não estava lá, que não havia ganancia, que era só amor mal resolvido, o que não é e o que não pode ser, mas agora tanto faz, eu levo a culpa comigo em paz. Ter tirado o que me é era mais importante, seria possível ?

Põem-me um terno preto, novinho, devo estar bonito! Não me fazem elogios, pelo contrario, dizem que estou pálido, que meu sorriso faz falta. Engraçado como o corpo já não pode refletir a alma, acreditei estar sorrindo agora.

Ela aparece e se lamenta, grita, soluça desesperada, não acredito nesse disfarce, é alguem muito distante da que me apareceu no reflexo embaçado do espelho, algo me diz não ser verdade, mas que fique com suas mentiras, que leve o que não lhê pertecence, carego só o que de solido pude conquistar, vou atrás dos meus sonhos profundos que sempre esquecia ao acordar.

Desejo firme ir embora, essa tristeza incomoda, porque de tanto exagero, afinal é apenas uma mudança, pra onde irei agora ? Será que verei todos depois? será que vamos nos encontrar um dia na eternidade ? Ou pra cada um é de um jeito ?

Outro lugar, nem vi chegar, será que atenderam meu pedido? um jardim como em um filme, se perde de vista e me dá à sensação de que não verei aquele quarto jamais. Nem roupas pretas, nem ternos, debaixo dessa arvore isso não me preocupa, nem minha cama, nem nada. Tenho certeza que se caminhar mais adiante verei a praia, aqui não há facas, não quero ir embora e não preciso  usar sapatos.

Pessoas entram e saem, posso ver todos os rostos agora, me atiram flores e dão as costas caminhando pro mar, todos eles de uma forma ou de outra fizeram diferença, cada um me diz algo novo. Aqueles olhos no reflexo embaçado sumiram de vez, que sejam felizes também, não há espaço para o ódio, a raiva é o fim, o perdão é o meio e o amor o começo, voltamos para o começo então. Há flores por todos os lados há flores em tudo que eu vejo.

Uma garota se senta em um banco próximo, é o único banco, começa a tocar seu violoncelo, todo o som irradia o local, é algo que não poderia ser descrito nem repetido, o tipo de coisa que é feita uma vez só. Eu me lembro dela, sumiu a muito tempo, me fez uma falta tremenda, e alguns dias atrás começou a aparecer sempre em lembranças remotas.

Em algun momento perdemos nossa ligação, difícil saber quando, como em um contratempo, como algo que era crucial e de repente se foi, naquela época em que podiamos tudo e não sabiamos nada, sendo os mais sabios porque enxergávamos as coisas como elas eram de fato, simples e nescessárias de serem observadas. Mas ela está aqui agora, não lembro seu nome, nem sei porque, repeti tantas vezes e cheguei a esquecer, passei tantos dias morto sem  saber.

A garota sem nome terminou sua música, encostou seu instrumento cuidadosamente na árvore, como pode ser? ela abarcou o mundo inteiro com uma música, não poderia mesmo ter nome, resumiria muito, criaria significados para algo sem significados, que ninguém poderia descrever ou falar sobre. Seguiu na direção que os outros foram, eu vou atrás, dessa vez não posso deixar passar, eu vou correr, vou tomar um banho de mar, agarar minha vida que estava perdida e então nós vamos ser para sempre um só.

domingo, 12 de abril de 2009

Os relatos..

Ruan entrou e sentou na poltrona como se fosse à primeira vez, tudo vinha dando certo até então, conseguiu chegar no horário exato de embarque, todos os entraves que poderiam atrapalhar sua viagem ficaram pelo caminho, estava tudo como o planejado.

Saindo da cidade não desgrudou da janela, aquele poderia ser o último registro de um lugar que conhecia bem. Usava calça jeans com um short por baixo, assim evitava ocupar o espaço precioso da mala com um jeans grande e pesado, ficou só de short e começou a conversar com o passageiro de trás.

Logo soube de toda a história do senhor de trás, estava acompanhado de mulher e duas filhas pequenas, duas lindas crianças loiras, não que a cor dos seus cabelos as tornassem mais bonitas, tudo naquelas garotinhas era lindo, o tipo de filha que todo pai queria ter. Eram simples e educadas, sorriam todo o tempo apesar da viagem cansativa, estavam vindo do Tocantins e iriam ate uma cidadezinha de Santa Catarina visitar á avó.

O homem assim como o resto da família era também simples, via se que não teve muitas oportunidades na vida, a escola lhe faltou, porém isso não o tornava rude ou sem assunto, existem certas pessoas que por mais que a vida tente os fazer desiludidos ou embrutecidos ela não consegue. Aquele homem do campo lhe inspirou muita fé e confiança, tudo que precisava para  a nova vida que viria a seguir.

Cada pessoa tinha uma história muito interessante, era engraçado. Lembrava-se de uma coisa que sua professora falava e que não concordava, dizia nas aulas de literatura “Olha só, vocês tem boas histórias, isso poderia dar um bom livro ou até mesmo um filme” Sempre acreditou que ter boas histórias era o mínimo do mínimo, o que fazia uma obra boa ou não, era mais a forma de contar assim como os recursos utilizados do que a história em si.

Do seu lado dois rapazes falavam de um acidente que haviam presenciado em outro Ônibus vindo de Mineiros, uma cidadezinha no interior de Goiás, especulavam o numero de vitimas, os mortos e os feridos, para quem iria viajar mais de vinte e quatro horas pela primeira vez, a historia dos passageiros do lado não era muito cômoda. 

Sabia que estava ali para o que der e vier, e que se algo acontecesse, com certeza não seria com ele, a tranqüilidade com que os rapazes contavam a historia passou coragem, e ele tentava tirar de cada acontecimento ou pessoa algo que pudesse ajudar na sua nova trajetória, agora mais do que nunca, não havia tempo e nem espaço para errar ou ter medo.

Ouviu tudo o que disseram e fez assim o perfil dos que estavam próximos, não podia confiar em ninguém e ao mesmo tempo precisava saber com quem contar em um momento de precisão, analisava as coisas mais ínfimas em cada passageiro, pegou então o único livro que havia levado: Maquiavel O Príncipe, bem oportuno pra tudo o que viria pela frente, leu por muito tempo até dormir enquanto o ônibus atravessava o cerrado do sul de Goiás. 

quinta-feira, 19 de março de 2009

Um outro lugar

Andando mais um dia pelas ruas daquela cidade, era como se estivesse em outro lugar do qual lembrava bem. Um lugar onde ninguém o conhecia e andava sozinho, tudo era novo, tudo era perigoso e interessante.

Andava por aquela cidade que conhecia bem, imaginando ser outro lugar, via cada coisa, cada pedra, cada casa, cada placa de uma forma diferente a cada dia, tinha que ser diferente, sua realidade estava bem distante dali.

Talvez ele nem quisesse ir embora, mas a idéia de rotina acabava com tudo, era uma seguridade extrema, era muito comum, não queria nada comum em um mundo que já fora completamente desbravado. Desejava coisas novas, se divertia com o medo, com os pesadelos, se divertia em ser posto a prova, em sentir aquela adrenalina agonizante que só sentimos em situações extremas.

Prestou vestibular ao terminar o colégio, sabia que não ia passar, nunca tinha sido bom pra estudar, prestou Direito. Não gostava de cabelo curto, não gostava de terno, no entanto prestou pra direito, queria o imprevisível, queria a sensação, o medo de não passar. Seu caminho não podia ser obvio demais.

Não passou e foi fazer comunicação. Gostou e logo no começo, após uma greve, após uma briga, após uma decisão séria, após respirar firme, decidiu ir embora, não por uns dias, não por uma semana, não por um mês, ele decidiu ir embora para sempre.

No dia em que comprou a passagem, estava no carro com sua mãe. Ela falava da briga que ele havia tido há pouco tempo com seu pai, pedia para que ficasse calmo, não levasse em conta as coisas que havia escutado, porque afinal de contas o velho o amava muito. Como se fosse preciso dizer, ele sabia disso, sempre soube, só não queria mais aquilo, aquelas brigas, aquelas discussões.Já estava quase completando dezoito anos, estava na hora de seguir seu rumo, não convinha ouvir coisas que não queria, falar coisas que não queria, nem pra ele nem para ninguém.

Sua mãe falava enquanto escutava calado, disse que tudo bem, havia entendido de forma tranqüila. Então ela virou e disse-lhe “você não está pensando em sair de casa, está?” Arrepiou os cabelos, como ela sabia? Essa coisa de mãe era mesmo estranha.

No carro ainda, disse que precisava pegar um comprovante na praça central, já que a concentração da greve estava toda lá. Iria de ônibus e pediu que ela o pegasse por volta das 16 horas.

Correu até a rodoviária, negociou a passagem e voltou para a praça. Sua mãe estava mais tranqüila, foi pra casa, falou de diversos assuntos no caminho. Viajaria no outro dia, dez horas da manha. Frio como gelo, ficou normal e não contou nada a ninguém. Sua tia estava em casa naquela noite, arrumou as malas rapidamente e disse que iria jogar futebol pela manhã, a fim de disfarçar o que levava.

Acordou cedo, deu oi pra todo mundo, comeu um pão, socou mais algumas coisas em sua bagagem e pediu que seu pai o levasse no ponto de ônibus, deu tchau como em qualquer outro dia e pegou o coletivo.

Uma musica inusitada no caminho, era sertaneja, ele não gostava, mas a letra falava de um filho que saía de casa. Quase chorou, mas tinha aprendido a não chorar nunca ou quase nunca, agüentou firme e foi pegando as conexões até a rodoviária. Chegou lá, esperou um pouco e entrou, esse era o ônibus que mudaria muito sua vida.

Foi embora, daqui em diante não vou falar da viajem, o certo é que foram descobrir que ele estava longe quando estava, de fato, muito longe. Era impressionante como o tempo rendia na estrada, um dia que poderia ser aproveitado com nada servia para rasgar o Brasil.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Janelas

Vejo minha imagem no espelho, paro e começo a me fixar em meus próprios olhos, fixação reciprocá, eles se fixam como se estivessem hipnotizados.
É claro, se trata apenas de uma imagem , mas como ? Ela tem alma, todo ser possuidor de alma tem o olhar vivo, não poderia ser diferente. O reflexo da minha alma ou ela mesma não sei dizer, começa a penetrar em meus pensamentos.Diante do reflexo tão vivo tento ver até onde posso chegar, indo mais fundo no brilho da retina, sera que encontrarei algum lugar dentro de mim? ou outro lugar qualquer?
Dizem que os olhos são a janela da alma, nada mais verdadeiro, tento atravessar a janela e então começa o surto.
Podem falar que é loucura, pode até ser mesmo, não sei se a psicologia explica, mas esse confronto pessoal e interno muito me assusta, e por isso tento ao máximo evitar espelhos em qualquer que seja o lugar.
As janelas me são agradáveis se vistas de dentro para fora, mas jamais, e eu digo jamais, de fora para dentro, dando a sensação de estar em uma rua olhando para a casa onde morra como se não soubesse o que há lá dentro.