Andava por aquela cidade que conhecia bem, imaginando ser outro lugar, via cada coisa, cada pedra, cada casa, cada placa de uma forma diferente a cada dia, tinha que ser diferente, sua realidade estava bem distante dali.
Talvez ele nem quisesse ir embora, mas a idéia de rotina acabava com tudo, era uma seguridade extrema, era muito comum, não queria nada comum em um mundo que já fora completamente desbravado. Desejava coisas novas, se divertia com o medo, com os pesadelos, se divertia em ser posto a prova, em sentir aquela adrenalina agonizante que só sentimos em situações extremas.
Prestou vestibular ao terminar o colégio, sabia que não ia passar, nunca tinha sido bom pra estudar, prestou Direito. Não gostava de cabelo curto, não gostava de terno, no entanto prestou pra direito, queria o imprevisível, queria a sensação, o medo de não passar. Seu caminho não podia ser obvio demais.
Não passou e foi fazer comunicação. Gostou e logo no começo, após uma greve, após uma briga, após uma decisão séria, após respirar firme, decidiu ir embora, não por uns dias, não por uma semana, não por um mês, ele decidiu ir embora para sempre.
No dia em que comprou a passagem, estava no carro com sua mãe. Ela falava da briga que ele havia tido há pouco tempo com seu pai, pedia para que ficasse calmo, não levasse em conta as coisas que havia escutado, porque afinal de contas o velho o amava muito. Como se fosse preciso dizer, ele sabia disso, sempre soube, só não queria mais aquilo, aquelas brigas, aquelas discussões.Já estava quase completando dezoito anos, estava na hora de seguir seu rumo, não convinha ouvir coisas que não queria, falar coisas que não queria, nem pra ele nem para ninguém.
Sua mãe falava enquanto escutava calado, disse que tudo bem, havia entendido de forma tranqüila. Então ela virou e disse-lhe “você não está pensando em sair de casa, está?” Arrepiou os cabelos, como ela sabia? Essa coisa de mãe era mesmo estranha.
No carro ainda, disse que precisava pegar um comprovante na praça central, já que a concentração da greve estava toda lá. Iria de ônibus e pediu que ela o pegasse por volta das 16 horas.
Correu até a rodoviária, negociou a passagem e voltou para a praça. Sua mãe estava mais tranqüila, foi pra casa, falou de diversos assuntos no caminho. Viajaria no outro dia, dez horas da manha. Frio como gelo, ficou normal e não contou nada a ninguém. Sua tia estava em casa naquela noite, arrumou as malas rapidamente e disse que iria jogar futebol pela manhã, a fim de disfarçar o que levava.
Acordou cedo, deu oi pra todo mundo, comeu um pão, socou mais algumas coisas em sua bagagem e pediu que seu pai o levasse no ponto de ônibus, deu tchau como em qualquer outro dia e pegou o coletivo.
Uma musica inusitada no caminho, era sertaneja, ele não gostava, mas a letra falava de um filho que saía de casa. Quase chorou, mas tinha aprendido a não chorar nunca ou quase nunca, agüentou firme e foi pegando as conexões até a rodoviária. Chegou lá, esperou um pouco e entrou, esse era o ônibus que mudaria muito sua vida.
Foi embora, daqui em diante não vou falar da viajem, o certo é que foram descobrir que ele estava longe quando estava, de fato, muito longe. Era impressionante como o tempo rendia na estrada, um dia que poderia ser aproveitado com nada servia para rasgar o Brasil.